A primeira noite sem teto na selva a gente nunca esquece

Na canoa a caminho da aldeia Yawanawá

Bom, na verdade, primeiro foi a van que quebrou, depois a canoa que atolou e só então… a mala “extraviou”. Hahaha, só rindo mesmo!

Entramos na van pra começar a jornada por volta de 12:30. Bem confortável, novinha, com ar condicionado, pelo menos no papel… Depois de uma meia hora fritando lá dentro, sem sair do lugar, Shaneihu abriu a porta de trás e, muito simpático, nos disse que o compressor do ar tinha quebrado e que íamos trocar de van. Tranquilo, sem pressa. Estava conhecendo meus novos amigos.  1 hora e meia depois, estávamos batendo papo na calcada do mecânico e os gringos (um sueco casado com uma sul africana) distribuindo umas folhas que trouxeram da sua ultima viagem ao Peru.

“É muito comum lá. Eles usam para amenizar os efeitos da altitude e, de quebra, ela alivia os sintomas de fome, sede…” Peguei uma.
“Hum… e como se faz?” Ele me deu um montão e disse que tinha que fazer um bolinho.
“Mastiga, você só mastiga e ela libera suas essências” >> E depois, pode cuspir?
“Pode”

Não era muito ruim não. Mas a boca fica tooootalmente anestesiada! Principalmente a língua. Achei até que fosse ficar falando meio bobo, mas não chegou a tanto.

Consertaram o ar e partimos. A galera é super gente boa e conversamos um monte no looongo percurso de van. O casal de “suecos” se conheceu na Tailândia quando ambos foram ajudar no mutirão do tsunami. Um dos casais brasileiros é massoterapeuta e estavam indo se casar na aldeia. O outro é formado por 2 psicólogos de Curitiba, sendo ele aprendiz do pajé (rs) e ela com mestrado em estudos sobre o ayuascar (na USP!). Os 2 cariocas são super gente boa também. O Jonas deve ter mais ou menos a minha idade e o Beto é  um cara mais velho, com pinta de paizão, mas super jovem ao mesmo tempo.

Às 8 da noite, depois de muita chuva, buracos e terra, chegamos numa cidaadezinha chamada Tarauacá, ainda a umas 2 horas do nosso destino, onde Shaneihu disse que íamos jantar. “3 picanhas pra 4 por favor”. Alegria total! Pra quem achava que ia jantar papinha Nestlé dentro da barraca tava um luxo! E pra tornar a alegria completa, ainda acabamos dormindo lá porque, como tinha chovido muito, as condições não tavam boas pra acampar no rio, segundo Shaneihu. Minhas preces foram atendidas! Rs Eu tava totalmente preparada pra acampar na floresta mas montar a barraca na beira do rio pra dormir só 1 noite, reempacotar tudo e seguir viagem no dia seguinte realmente não tava me apetecendo muito…

Procuramos um hotelzinho que agradasse a todos e nos agrupamos em quartos porque a galera queria gastar o mínimo possível. Fiquei no quarto com a Lara e o Hugo (massoterapeutas) e o Jonas. Capotamos em 2 segundos e levantamos 4:30 com Shaneihu batendo na porta pra seguirmos viagem, sem café. Mas ele disse que comeríamos antes de embarcar. Encostamos em frente a uma lojinha dessas que vendem de vassoura a filtro solar, passando por… Café da manhã!

“Tem café?”
“Tem sim”
“Dá pra 10?”

Saca só o embarque nas canoas
Saca só o embarque nas canoas…

Tinha uma mesona de madeira com bancos dos 2 lados , uma garrafa térmica em cima e uma bacia com rolinhos de tapioca envolvidos em filme plástico. Tapioca pura, sem recheio, sem sal, sem gosto sem nada, hehe. Tipo só pra não morrer de fome mesmo. Que essa não seria uma viagem gastronômica eu já sabia. Ah pintou uma bacia de ovo mexido no final também! Ufa, rs

“Bora embarcar galera! Cada um pode pegar suas coisas na van e vai levando pra beira do rio”

Tinha chovido, né? E a beira do rio era basicamente uma ribanceira de lama. Lindo! Rs

Canoa no rio Gregório
Canoa no rio Gregório

Na margem, várias canoas motorizadas esperando a galera. Tipo canoas de alumínio com 1 metro e pouco de largura e uns…6 metros, talvez, de comprimento. E ficava e 1 palmo da agua. Era só dar uma esticadinha no braço que a mão encostava na água, quentinha. Fomos de 5 em 5 + o “motorista”. Coitado, ele ia em pé na parte de trás da canoa segurando pra baixo a alavanca do motor que mantinha-o ligado e ia direcionando a canoa por entre os milhaaaaares de galhos de árvore (muitas vezes árvores inteiras!) caídos dentro do rio. Fora os bancos de areia em que atolamos vaaaarias vezes. Sim o rio era bem rasinho e também não muito largo, uns 50 metros talvez. Mas os meninos foram cavalheiros de descerem pra empurrar todas as vezes em que precisou.

Parada pra abastecer
Parada pra abastecer

Foram 7 horas (e meia!) sentadinha naquele banquinho de alumínio, sem encosto, bem rente ao chão. Com sol forte em alguns momentos, chuva fina em outros e direito a umas paradas pra xixi na moita e abastecidas na base do galão e mangueira. Daqueles de puxar com a boca mesmo. Mas sabe que cheguei bem inteira? Bum-bum bem dolorido mas zero dor nas costas! E totalmente disposta a encarar a montagem da barraca. Viva as aulas de yoga!

Só que… Nossa bagagem não tava lá. Foram todas em canoas separadas mas Shaneihu disse que chegaria tudo com a gente. Erro crasso!

Chegamos às 16:30 e cada barco que chegava eu corria pra conferir. Nada, nada, nada. Começou a escurecer, e eu me sentia imunda, sem roupa, sem nada e sem poder montar a barraca. Por “sorte” o problema não era só comigo. Uma galeeeera ficou sem mala, inclusive uns belgas (aliás, fala-se bastante francês por aqui). Fomos comer pra ver se melhorava, ao menos, o humor e começamos a traçar o plano B: dormir na barraca de alguém, conseguir uma rede emprestada… O jantar era no refeitório da escola. Uma cantina minúscula só com 2 mesões de madeira que devem acomodar umas 16 pessoas cada. No balcão 2 mocinhas serviam nosso PF. “O que tem pra jantar?”

>> Arroz, feijão, macarrão e sardinha. Hahaha. Bele vamos nessa, mas sem macarrão, né?

Organização não é o forte aqui (não que eu tivesse grandes expectativas nesse sentido), mas o bacana é que a galera é beeem solidária e unida. Os visitantes mesmo. Vários da nossa van tavam sem mala e me juntei ao Jonas na caça a elas. Pra lá, pra cá, pra lá, pra cá… Quando escureceu complicou um pouco, mas seguimos firmes e fortes de lanterna em punho! 5 horas depois… umas 9:30 chegou mais uma canoa, dessa vez com a minha mochila (aleluia!) e as coisas do Jonas. Mas cadê minha barraca, meu deus! Na verdade faltava a barraca, o colchonete, o saco de dormir e a manta.

Por sorte, eu tinha uma rede na mochila. O Jonas sugeriu tomarmos um banho para dar uma revigorada e já nos acomodarmos numa casinha que tava vazia porque, de qualquer forma, seria meio perrengue montar barraca no breu total. Era basicamente um quadrado com paredes de ripas de madeira, piso de ripas de madeira, porta de ripas de madeira e teto de sapê, no estilo palafita, onde a galera se vira pra pendurar a rede nos troncos da estrutura. Hesitei um pouco, mas não tinha muita opção. Pegamos os apetrechos de banho e fomos pro igarapé umas 10:30 da noite com a super lanterna dele. Nada mal tirar o shampoo olhando um céu estrelado… 🙂

Eu nunca tinha tirado mais do que um cochilo na rede, mas dormi que nem um anjo!

A aldeia é toda de casinhas feitas 100% de madeira, do tipo palafitas, mas bem arrumadinhas. A do cacique é  a maior e mais bonita, com uma super varanda, que é o point da galera a qualquer hora do dia. O povo simplesmente fica lá batendo papo, como se estivesse em casa, sentado no chão, na mureta, numa rede ou cadeira, inclusive a gente! Mas comer, todos comem no refeitório e os banheiros são cabines de madeira, claro, até simpáticas, com um buraco no chão. Mas o buraco é  tão fundo que não se vê nada. E fiquei impressionada porque também quase não tem cheiro. Não sei se é o cheiro forte da própria madeira que disfarça, mas também ouvi dizerem que o buraco é fundo o suficiente pra ficar permanentemente com agua, o que ajuda no processo. Bem melhor do que eu imaginava! Mas o matinho também quebra um bom galho de vez em quando, hehe.

Levantei cedo com a claridade e fui sondar se a minha barraca tinha chegado. Uma outra moça sem-mala me disse que ainda não. Comecei a desencanar e fui tomar café: tinha cous cous de milho (sem sal, sem gosto, sem nada), biscoito cream cracker, manteiga, café e leite. Bate-entope total. O que, pensando bem, até que não era uma má ideia, rsrs

Meu cafofo na floresta
Meu cafofo na floresta

No caminho de volta pra minha nova casinha, dei uma passadinha na casa do cacique pra ver se alguém tinha noticias do paradeiro da minha barraca. E não é que ela tava lá?!?!   

Montei tudo direitinho, arrumei as coisas e fui almoçar.  Arroz, feijão e sardinha.

PS: tem internet (beeeeem de vez em quando) na escola da aldeia!

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