Pra minha surpresa, acordei antes do despertador e cheia de energia! Olhei pro relógio pra ver quanto tempo eu tinha e… Era 1:50 da manhã… Clássico. :-S
Bom, mas o importante é que, da 2a vez, pude comprovar: o Ganges é limpo!! Bom, tá… limpo, limpo não é, mas pelo que me descreveram… Fiquei até com vontade de molhar o pezinho, hehe. Arrisco dizer que já vi o mar do Rio em circunstancias piores, viu? Pelo menos no que nossos olhos podem avaliar. Não tinha cheiro algum, nem nenhum corpo boiando. Vi lixo sim, muito! Mas nas margens. Dentro d’agua só vi 1 chinelo boiando e as oferendas de forminhas com flores e velas, super fofas. Até comprei uma pra fazer um pedido, por minha conta.
O povo nada, reza, professa rituais, toma banho de água e sabão e lava roupa! :-S O pior é que me explicaram que as lavadeiras eram profissionais (tipo lavanderias)… Ui…
Depois do passeio, o combinado era visitar templos. Alguns antes mesmo de voltar para tomar café no hotel porque, segundo ela, depois ficam impraticáveis de tão cheios. Pensei, cá com os meus botões: interessante esse negocio de visitar templos em jejum… Tem um quê de yoga nisso… Você fazer uma pratica/ritual/reza com seu corpo “puro” e a sua energia totalmente voltada para aquele ritual. Achei até bonito!
Ela super valorizou o templo (Vishnawath), disse que é o mais importante de Varanasi, que foram gastos 900 kg de ouro na cúpula, que peregrinos do mundo todo vêm prestar homenagens nele… já tava me imaginando sentada meditando, enquanto sentia a energia do lugar.
Saindo do rio, nos metemos por umas ruelas estreitíiissimas, imuuuundas e tortuosas, ocupadas por vacas, cachorros, pedintes, doentes e todo o tipo de esquisitice possível e imaginária. Sobe, desce, direita, esquerda e ela me mostrava as casas que ocupavam aquelas ruas, simples, muito simples, igualmente imundas, mas que acomodavam mini templos particulares 3 vezes mais grandiosos do que as próprias casas, sempre muito enfeitados com flores e oferendas, espremidos no que seria um pequeno terraço ou pátio interno. A cada esquina que dobrávamos nos deparávamos com algum devoto prestando sua homenagem em algum daqueles altares, o que praticamente já ocupava metade da passagem na rua.
“Espera! Vem aqui!” Ela me puxa pra cima da escadaria de uma casa quando ouve o canto de alguns homens se aproximando. Questionei o que estava acontecendo e ela me disse que estava chegando o corpo de um morto. “And it’s an old man”, ela antecipou. Questionei como ela sabia, e me explicou que era por causa do canto. Ele era alegre. Disse que quando o morto é uma pessoa mais velha, entende-se que cumpriu seu papel na terra e que a morte é uma coisa boa, realmente um ritual de passagem para um lugar melhor. Faz sentido!
O corpo vinha deitado em cima de uma maca, todo coberto com tecidos enfeitados, de cores predominantemente douradas, alaranjadas, flores… Os homens andavam rápido e cantavam alto. O tom era de urgência. E quando o corpo passava vinha o cheiro… um perfume de óleos essenciais e incenso, muito bom na verdade! As ruas muitas vezes tem cheiro ruim sim, mas absolutamente nenhum fedor insuportável, como eu imaginava, nenhum cheiro de podre. Tem, sim, de vez em quando, cheiro de lixo e de xixi, mas nada que não conheçamos. O aspecto sujo (imundo na verdade), misturado à uma miséria extrema, pessoas e bichos, doentes, deformados, igualmente imundos, que se misturam ao lixo e à comida (sim, à comida) no chão da rua, isso sim é de embrulhar o estômago… Entendi o conceito de “abaixo da linha da pobreza”. E criei uma regra: não fotografo a miséria pela miséria.
“Nossa! Está lotado! Olha o tamanho da fila!” (Estávamos a caminho do templo, lembra?) Eu via apenas uma certa muvuca a nossa frente, mas nada que me sugerisse frearmos… “Venha! Não poderemos entrar mas você pode ver o templo por aqui”, me puxou ela, como quem me apresenta o maior esquema. Entramos numa lojinha, que eu entendi ser de amigos. Fomos direto para um cômodo nos fundos e ela me sugeriu que tirasse os sapatos, fazendo o mesmo. Subiu num pequeno degrau num canto e me apontou para fora, mostrando o templo por uma janela de, no máximo, 1 palmo por 2. No alto da parede, do alto daquele degrau e se espremendo, dava pra ver um pedaço da cúpula dourada. “Não é lindo?”
Oi??? Tá falando sério???
Essa era a visita ao templo???
Agi como se compreendesse e achasse tudo aquilo normal. Os homens da loja ofereceram chá, que eu recusei educadamente por estar no topo da minha listinha de itens proibidos – afinal, é água de procedência duvidosa. Ela me disse que um dos rapazes poderia me acompanhar se eu quisesse tentar entrar mas que ela me esperaria ali na loja. E eu deveria deixar absolutamente todos os meus pertences porque havia um forte esquema de segurança por onde passaríamos. O “amigo” tinha uma cara estranha. Hesitei… Mas não havia de ser nada demais… Fui.
O homem saiu da loja a passos rápidos por aquela rua estreitíssima e escura (as próprias construções praticamente “fechavam” a rua por cima deixando passar pouca luz). Ele se espremia por entre as pessoas, trombando nos outros (algo numa linha bloco de carnaval), sem olhar pra trás. Eu seguia, meio desesperada, repetindo os movimentos dele e tentando alcançá-lo pra não me perder. No empurra-empurra daquela viela de não mais de 2 metros de largura, coalhada de lojinhas de bujigangas dos 2 lados, era uma gritaria só. Havia muitos policiais, ostensivamente armados, que gritavam, apitavam e empurravam as pessoas, para um lado e para o outro como se escolhessem quem podia passar e quem não podia. Mas era uma confusão tão grande que eu não conseguia entender para que lado estávamos tentando ir. Ora éramos jogados pra cá, ora éramos jogados pra lá, e eu tentando não perder o cara de vista. Tromba daqui, apito dali, pessoas de todos os tipos com caras meio de desespero e urgência por entregar suas oferendas e fazer suas preces naquele local tão sagrado. Me vem um único pensamento no meio da multidão: Que fé é essa que move essas pessoas?
Então, não sei da onde, surge uma vaca, enorme, no meio desse caos, e todos se espremem anda mais contra as paredes das lojas para dar passagem. E outra vaca. Realmente achei que ela fosse me imprensar contra a parede… Tenso… E os policiais, nada simpáticos, gritando e empurrando de modo agressivo, com metralhadoras na cintura, não ajudavam… Me lembrei, ali, de outro item do meu manual de sobrevivência “evite multidões com todas as suas forças”… Putz… “Moço, acho que prefiro voltar”, gritei. “Não tem problema, eu volto outro dia!”, acrescentei.
Passou a vaca. O “amigo” pulou no vácuo e eu fui atrás. Passamos pelo detector de metais que se esgoelava ali o tempo todo, sem o menor Ibope. Conseguimos avançar um pouco e chegar no que parecia ser uma entrada lateral, lotada, e ele me chamou para ver, do alto de uma escadinha, abaixando um pouco e se esticando pra direita… uma ponta da cúpula dourada, não muito maior do que eu tinha visto da janelinha da loja…
“Nossa… é realmente muito bonito! Adorei! Podemos ir agora?