Avaliando de forma racional, Pushkar é uma cidade minúscula, suja, pobre, onde só tem um lago, também sujo, cheio de bichos, e templos em que você não pode entrar, na grande maioria dos casos.
Mas a Índia não é um destino para ser experimentado na superfície. É preciso se entregar! E sentir…
No caminho para o lago, um homem me deu uma flor. Disse que eu a levasse à testa, fizesse um pedido e a jogasse no lago. Segurei seu caule e ele me corrigiu: abriu minha mão em forma de concha sobre a sua, colocou a pequena flor ali e fechou sua mão, de forma que meus dedos abraçaram a flor. “Assim, agora vá.”
Deixei meu chinelo no alto da escadaria, como mandava a plaquinha e desci, descalça, aqueles degraus tomados por devotos, bichos de especies diversas, imagens santas e oferendas. Logo fui abordada por um homem com aparência respeitável. Sem pedir licença foi me explicando sobre o lago e seus rituais. Me conduziu à margem e pediu que eu sentasse no ultimo degrau, próximo à agua. Se sentou de frente pra mim, com uma serie de oferendas. Entendi que eu teria que pagar por aquilo mas meu coração disse “Vá!”. Ele pediu que eu segurasse minha flor na palma da mão e eu o fiz. Colocou sua mão naquela água (limpiiinha), molhou minha flor e meus dedos (ups), dizendo qualquer coisa que não entendi. Pediu para que eu jogasse a flor no lago e levasse os dedos molhados a testa. E aos olhos. E as orelhas. Eu fiz, com toda a minha fé. Colocou na minha frente uma especie de prato com flores, especiarias, arroz e açúcar. Me lembro que seus significados passavam por proteção, boa comida e vida doce. Recitou alguns mantras e repeti com ele. Molhou as especiarias, uma delas vermelha, com a água do lago e fez aquele ponto vermelho na minha testa. Joguei as oferendas no lago. Seguimos com mais um ou dois atos simbólicos como esses e ele perguntou quanto eu ia pagar, já me sugerindo a quantia de 10 dólares. Meu lado racional protestou, ciente de que esse é um valor pra lá de generoso nessas terras. Cheguei a argumentar suavemente, mas não queria transformar aquele momento numa negociação comercial nem aquela energia de paz em algo competitivo. Deixei rolar. Entoamos mais alguns mantras com flores nas mãos e, dessa vez, ele me orientou que as jogasse para trás. Amarrou uma pulseira, à lá Senhor do Bonfim, no meu pulso direito e concluímos nosso ritual.
Fui, então, à proposta inicial do meu passeio: observar, de pés descalços em meio a toda aquela gente e bichos, os cultos matinais (curiosamente, acho que só vi outros 2 turistas por ali no meu passeio todo). Homens e mulheres se banhavam ora concentrados em sua fé, ora conversando alegremente. Uns cuidavam de sua higiene esfregando o rosto, orelhas, braços, costas e tronco, semi nus (homens). Outros submergiam e emergiam das águas sagradas de forma ritmada, como num mantra. Casais se ajudavam, de mãos dadas, enquanto cada um se banhava. De cócoras e com as mãos em concha, jogavam a água do lago para frente, enquanto repetiam suas preces, como quem as ofertasse numa pratica reverente. De pé nas águas do lago e com as mãos unidas em frente ao peito, pedem proteção e vida longa para suas famílias. Grupos inteiros entoam mantras em coro, sentados nas escadarias com suas cores vibrantes. É demais!!!
Depois das práticas, elas tiram os enormes sáris que levam enrolado no corpo e, apenas com a calça e a mini blusa que vestem por baixo, torcem suas vestes coloridas e as colocam para secar ao sol. Penteiam seus longos cabelos e, porque não, colocam o papo em dia.
Achei um banquinho e fiquei ali por mais uma hora, só absorvendo aquela energia pra lá de especial. Algumas lágrimas escorreram dos meu olhos fechados, como uma reação natural a força daquele lugar. Quando abri os olhos, uma senhora muito simples, um pouco corcunda, mas toda paramentada com seu sari me encarava intensamente, de pé, na minha frente. Olhei, sem medo, nos olhos sofridos dela, e ali ficamos, paradas por algum tempo, de alma despida.
O senhor do meu ritual da beira do rio se aproximou: “sentindo a energia do lugar?”
“Sim, é incrível!”, respondi, dizendo que estava pensando em caminhar ao redor do lago, enquanto apontava pra direita, o lado mais movimentado. Ele me encorajou dizendo que eu poderia sentir a energia de cada uma daquelas ghats, corrigindo apenas a direção. Disse que eu deveria caminhar no sentido horário. Simplesmente porque esse é o curso natural das coisas. Não questionei e fui. É assim que deve ser.