Gente… não sei nem por onde começar… que lugar é esse?!?!??
Imaginem um mundo onde tudo está fora do lugar. Não, não é de ponta cabeça porque aí haveria uma ordem! Tudo funciona diferente… nada é como “deveria” ser…
Cheguei em Rishikesh, “capital” do yoga , e fiquei meio anestesiada, olhando… tentando entender.. não sei nem o que.. As pessoas me perguntam “mas você tá tentando entender o que??” Esse lugar…. é muito diferente… não sei explicar…. tem algo aqui….
Pra começar eu não tinha o endereço da escola de yoga em que eu ia ficar. O esquema era ir até uma das pontes do Ganges (aqui também tem!) e ligar pra eles me buscarem lá. Ok. Passei o endereço pro motorista do taxi e ele ligou pra pegar as instruções de como chegar. Andamos, andamos e ele parou num largo de uma rua sem saída. “Chegamos?”
Ele disse que sim e saiu arrastando a minha mala por um caminho de pedrinhas, de onde se tinha uma vista linda do Ganges, limpo (!). Andamos pelas pedrinhas, andamos…
“Você tem certeza de que é aqui?”
“Tenho”
O caminho estreitou, ficando mais parecido com uma trilha margeando o rio. Não dava mais pra arrastar a mala e ele a carregou. Ufa..
Passamos por um trecho cheio de lixo, que tinha cheiro de xixi e fiquei incomodada… não pode ser aqui… não tem nada aqui…
“Você tem certeza de que estamos no lugar certo?”
“Tenho”
Continuamos e eu repeti a pergunta mais umas 2 vezes, até chegarmos num prédio de 2 andares, quadrado, com uma cara de lugar abandonado que foi ocupado :-S
“Rafting Booking Office” dizia a plaquinha… Rafting??
Ao lado tinha uma choupana de bambu, sem piso (direto na terra mesmo), sem porta e sem janela, toda aberta. Cadeiras de bambu se misturavam as de plástico, em volta de 2 mesas baixinhas, cobertas com tecidos coloridos. Era beeeem beeem simples, tipo uma favela arrumadinha, mas aconchegante. Tinha luminárias coloridas e um grupo de uns 5 turistas com pinta de turista-yogi-alternativo-hippie-descolado-gente-boa.
“Hello”
“Hi!”
Não tem check in. Não pediram meu passaporte nem nada. Um garoto, meio maltrapilho, de bermuda, camiseta e chinelo, com pinta de uns 20 anos, no máximo, me pergunta:
“Quantos dias você vai ficar?”
“5”
“Ele vai te mostrar seu quarto”. E um outro garoto me leva.
Era grande o quarto, mas praticamente vazio. Havia apenas 3 moveis ali. Uma cama de casal, de madeira velha, sem cabeceira, no centro, coberta com um pano feio, estampado e 2 travesseiros com fronhas de outra estampa, que eu tinha certeza de que iam se desfazer no momento em que eu encostasse minha cabeça nelas, de tão velhas. Não tinha lençol de cobrir, mas tinham 2 edredons dobrados: um do homem-aranha e outro de algum personagem infantil indiano, com pinta de Cebolinha. Tinha uma mesa de madeira velha no canto, mas só a estrutura, sem tampo (“sorry, your table is broken…”). Por ultimo, tinha uma “estante” de ripas de madeiras, dessas ainda com farpas, com 3 prateleiras de meio metro de largura, em que eu precisei equilibrar minhas coisas, porque o vão entre uma ripa de madeira e outra era grande. Nada nas paredes, além de manchas e descascados. A cara não era boa… Pedi toalha e papel higiênico, que não tinha no banheiro. Ele me entregou uma toalha pequena, tão velha quanto as fronhas… Mas joguei minhas coisas lá e sai pra saber do almoço (temos as 3 refeições incluídas), porque já era 1:15 da tarde e não queria passar fome de novo, hehe. Voltei pra “varanda”, sentei na rodinha e desabafei:
“Que lugar é esse?”
Eles riram..
“Porque você diz isso?” Tenho certeza de que eles sabiam a resposta e estavam só me testando. Mas eu ainda não tinha conseguido processar absolutamente nada…
“Não sei, é estranho…”
Perguntei onde era o almoço e disseram que era ali mesmo. Mas não tinha sinal de comida, nem ninguém a quem perguntar. Uns minutos depois um dos garotos apareceu com um prato de comida na mão e uma colher. Me entregou sem falar nada. Era o que eu tinha pra comer. Pegar ou largar. Tinha arroz, uma lentilha misturada com feijões diferentes e uma batata misturada com alguma verdura. Pra minha surpresa, tava bem gostoso! Ou então era a fome, rs. Mas tava frio.
Conversei rapidamente com um tcheco que esta começando (aqui!) uma viagem de 3 meses pelo mundo e saí pra caminhar com 2 ingleses: uma que parece ter a minha idade e esta hospedada no ashram também e um que tem 23 anos, viajando sozinho pela 1a vez.
Ah sim, eu reservei tudo com uma escola de yoga e achei que eles tivessem uma acomodação própria mas, aparentemente, eles tem um ashram próprio, ou algo do gênero. Então, no fim das contas, vou ter a experiência de ficar num ashram. Eu acho…
Sentei num café suuuper simpático com os ingleses, do tipo com almofadas e cobertores coloridos no chão, mesas baixinhas ao ar livre e cardápio natureba. Ficamos um tempo batendo papo e perguntei sobre o ashram, como funcionava e o que estavam achando. A menina me disse:
“Leva uns 2 dias pra você se acostumar… e depois que você relaxa… é incrível! Ah, e tem um quiosque ali perto que vende papel higiênico”.
“Ah….entendi…”
Ela me disse, num tom mega zen e feliz, que demorou pra se acertar com a água quente do chuveiro e que comprou incensos e velas pra deixar o quarto aconchegante. E me deu de presente uma caixinha de incenso.
Arrisquei um suco de abacaxi que tava delicioso e senti que começou a esfriar. Lembrei que o cara do ashram tinha me dito que o aquecimento da água era à base de energia solar e achei que era melhor deixar a caminhada pra amanhã e garantir o banho.
O banheiro era pior do que o quarto… Muito velho, mal cuidado, do tipo que você não sabe se está limpo ou sujo, mas já pensa logo que tá imundo. Era escuro, assim como o quarto, só com 1 lâmpada e fraca. Nenhum espelho, nem no quarto, nem no banheiro. 1 pia do tamanho de uma de banheiro de empregada e nenhuma bancada. Um chuveiro de plástico no meio do banheiro, sem cortina ou qualquer coisa no chão pra segurar a água. Isso, do tipo que o banho molha o banheiro todo. Nenhuma prateleira ou ganho, nem pra toalha. E uma privada com um rodo, um balde e alguns materiais de limpeza ao lado. Tudo com cara péssima.
“Realmente não tem a menor condição de ficar aqui”, pensei… Mas, ao mesmo tempo, tentava me convencer a dar ao menos uma chance pro lugar, uma chance para entender o que tinha de bom ali, o que aquela experiência podia me ensinar.
“Vai amarelar agora, Paola?”
Consegui tomar um banho quente, pelo menos, mas era um fio de água quente…
“Definitivamente não da pra ficar aqui… Vou me arrumar e sair pra procurar um outro ashram ou um hotel.” Me parecia pior do que as casas particulares de Cuba… Pior do que dormir numa barraca na Amazônia!
Mas já tava ficando frio e não queria passar por aquele caminho esquisito no escuro… E o tcheco estava sentado no casebre de bambu tocando violão lindamente!
Sentei pra ouvir enquanto escrevia.
“Tô amando suas músicas! Você toca muito bem!”
Pouco a pouco os outros hospedes chegaram, não mais do que 10, cada um contando suas histórias. Ascenderam uma pequena fogueira entre as mesas e serviram o melhor jantar que comi na Índia: uma sopa de legumes e uma massa com (pouco) molho de tomate, que estavam super saborosos!
Combinei comigo mesma que não tomaria nenhuma decisão naquele dia e fui dormir com o Homem-aranha.