E quando você descobre que a sua trilha de 35km nas montanhas terá, na verdade… 70km?!?!?! :-S
Expliquei pro cara da agência que eu precisava me preparar fisicamente (tudo bem que eu acabei não conseguindo fazer como gostaria, mas…), ele checou e me voltou com a informação: 35km. Minha intenção, na hora do briefing com nosso guia, Fisher, na véspera da estréia, era só confirmar, como quem puxa papo: “70km??”
Na hora do susto fiquei sem reação, não tinha o que fazer… Era pegar ou… pegar. As malas iam ficar em Cusco e fui pro quarto preparar minha mochila (que deveria ter, no máximo, 6kg, diga-se de passagem), num misto de nervosismo, frio na barriga e adrenalina. Mais tarde, analisando os papéis que ele nos deu com detalhes da trilha, estava lá: distância total 59km. Ok, ok, entendi o recado: simplesmente caminhe, concentre-se no aqui e agora. E lá estava aquela sensação de “minha vida não será mais a mesma”…
Às 8:15 Fisher já tava lá pra nos buscar e nossos novos amigos nos aguardavam na van rock’n roll pra fazermos o trajeto até o começo da trilha: Courtney e Mike, que Fisher insistiu em chamar de Miguel, rs, um casal de americanos na casa dos 20 e muitos/30 anos, em lua de mel. Fora da caixa, já gostei.
“A música incomoda vocês?”
“De jeito nenhum! Tô adorando a trilha sonora!”
Chegamos numa simpática área gramada no pé da montanha nevada, linda (!), a 3.800 metros. Soberana, imponente… ao primeiro olhar, já deixando claro quem é que manda ali. Nosso time de apoio já tava lá, de fogareiro aceso, preparando nosso almoço antes de partirmos.
Ah, sim! Eu não apresentei! Salcantay, em Quechua, significa montanha selvagem. Com 6.279 metros, ela é uma das montanhas mais altas do Peru e apenas 700 metros mais baixa do que o Aconcágua.
Mas o plano, não tão obviamente assim, rs, não é o topo. Pouquíssimos o conquistaram até hoje, por conta de ser uma subida extremamente íngrime, técnica e… selvagem. Meus planos são bem mais modestos, apenas experimentar o que é fazer uma trilha mais longa numa altitude elevada (planos futuros, sabe?) e chegar em Machu Picchu de um jeito diferente e mais divertido
A comida superou minhas expectativas: sopa de batata desidratada de entrada e um arroz “maluco”, super bem temperadinho, com frango. Ah, e chá de coca, claro.
Fisher nos deu uns minutos pra nos preparamos pra subir. “Avalanche!!!” – gritaram a nossa volta.
“Ah, que animador!” :-S
Era longe… láaaa no alto. Mas dava pra ouvir o “trovão” e ver aquela “poeira” de neve. Prova derradeira de que a montanha está viva. Vivíssima!
Botamos as mochilas nas costas e saímos, rumo ao glaciar, como chamam aqui. Foi quando começaram a cair as primeiras gotas… Mas era só uma garoa… no começo. Quando começou a apertar, nos abrigamos numa cabana para colocar as roupas impermeáveis. Caminhamos por mais umas 4 horas, na chuva, numa subida íngrime de 10km. O cenário a nossa volta era o de uma sobreposição de paredões, de um lado e do outro. A vegetação rasteira, muito típica, era de um verde amarelado, às vezes caramelo, com pequenos buchos de flores amarelas. Ela cobria aqueles rochedos gigantes, de diferentes tons de cinza e marrom, como um tapete aveludado que nos convida a se aconchegar. Uma palheta de cores que me hipnotizou e uma sensação de que tudo, absolutamente tudo, ao nosso redor tinha vida. A chuva seguia cain
do, rebelde, e a ela se juntou um vento gelado. Comecei a sentir gotas de água chegando aos meus pés… Sim, a bota é impermeável, mas… Chegamos aos 4.200 metros bem molhados e corremos para nossas barracas, já a postos, para colocar roupas secas e quentes. Tomamos um chá reconfortante com bolo de cenoura, enquanto o jantar ficava pronto. Pra nossa sorte, teve direito a uma garrafa de vinho, em homenagem aos nossos amigos recém casados!
Entrei com umas 4 camadas de casaco dentro do saco de dormir, que carregava a etiqueta -18o. O problema é que esses sacos são apertados, justamente pra esquentar, e com tanta roupa eu praticamente não conseguia me mexer. Mas eu ainda sentia o corpo tremer e acrescentei uma manta de fleece ao recheio. Lá fora a neblina era forte e o vento uivante, surrando a barraca, junto com a chuva, implacável, ganharam de lavada do sono.
4.200 metros