Por entre souks e artesãos

Souk Semmarine, Marrakesh

Carpinteiros, serralheiros, sapateiros, alfaiates, pintores, ourives… Marraquexe é sobre artesãos. Cada um sentado em frente à sua lojinha-de-um-homem-só, exercendo seu ofício ali mesmo. Se misturam a açougues, docerias, carrinhos de frutas e legumes… E te convidam a apreciar seu trabalho com direito a detalhadas explicações sobre como se obter o resultado final. Claro que o preço não está afixado em lugar algum. Afinal, a arte do negocio mesmo é a negociação! “Cumprimente o dono da loja e aceite todos os copinhos de chá que te oferecerem. Olhe outros ítens antes de direcionar a atenção ao que te interessa e ofereça um terço do preço para fechar pela metade”. Essa é a receita dos blogs por aí. Algumas lojas se destacam da multidão com entradas grandiosas e uma meia dúzia de macacos velhos na porta. Não arrisco. Preciso de mais umas 3 encarnações pra negociar com um cara desses! Rs

Um certo “fog” no ar completa o clima de mistério da labiríntica Medina, o centro antigo. Uma mistura de

Souks e mais souks

poeira com fumaça de churrasquinho de gato e luz do sol que entra meio enviesada pelas treliças de palha que fazem as vezes de “telhado” de algumas vielas. Coisa de cidade muito quente, penso eu. E de rua muito estreita também, claro. Eu falei que a esmagadora maioria das ruas é de pedestres, né? Se é que da pra chamar de rua porque estão mais para becos. Mas, por incrível que pareça tem mão e contra-mão ali: todos vão pela direita e voltam pela esquerda, bonitinhos. Com exceção das motos que voam! Sério, devem andar a uns 40Km/h, pelo menos! Incrível como não atropelam metade das pessoas em cada esquina naquela bagunça. Ah, sim, claro: tem bicicletas também e uns carros de boi puxados por burrinhos.

Numa dessas esquinas em que discutíamos pra que direção seguir, um homem se intrometeu na conversa (coisa nada rara, por sinal), perguntando pra onde queríamos ir e emendando dizendo que aquele era um dia especial.  “Dia especial?” Não entendemos direito mas era algo sobre uma festa, ele disse que era o único dia do mês em que os artesãos se encontravam, árabes e berberes, e tinha a ver com os curtumes. Hesitamos… checamos a direção… alguém tinha mencionado algo sobre uma festa algumas esquinas atrás… fomos ponderando já na direção em que o homem apontara e ele nos acompanhando.  Ou nós acompanhando ele… Já tinha lido que os curtumes são, de fato, uma das atrações locais e era algo que eu pensava em conferir… o homem nos disse que em mais ou menos 1 hora a “festa” ia acabar… Não sabia muito bem o que esperar mas imprimimos um pouco mais de ritmo à caminhada. Esquerda, esquerda, direita, esquerda… Já não sabíamos mais onde estávamos e assumimos que seguíamos o homem. “Se prepara porque ele vai pedir dinheiro” sussurrei. Decidimos que daríamos 20 Dirhams a ele pela dica. Quem não arrisca não petisca!  As lojas com artigos de couro começaram a se sobressair, assim como o mau cheiro. “Eles tem hortelã” disse o homem tocando o nariz com os dedos. Deve ser o “remedio” deles para o olfato, pensei.  Paramos em frente a uma entrada que mais parecia ser de alguma obra: terra, lama, mais poeira. Um homem gordão, meio esbaforido, veio nos recepcionar. Olhamos pro lado em busca do nosso “guia” para dar sua gorjeta mas ele não estava mais lá. Estranho… O gordão nos deu um punhado de hortelã, explicando que deveríamos friccionar e levá-la ao nariz.  Obedecemos. “Venham, por aqui.”  O lugar era horroroso, imundo e cheirava muito mal. Um canteiro de obras cheio de “covas” com água parada. Aguas de cores diferentes, algumas delas com homens dentro, submersos até a cintura. Se apoiavam com as mãos nas “bordas” enquanto trabalhavam com os pés .  Amontoados de pele de animal aqui e ali, pelo meio do caminho e nos nos embrenhando por aquele inferninho enquanto friccionávamos as mãos desesperadamente para não deixar a ânsia vir. De repente vi um outro casal de turistas e bateu um alivio… “You can take pictures if you want”, disse o gorducho.  

“De que?!?!”, guardei pra mim.

Se arrependimento matasse…

De fato vi algumas fotos em sites e blogs de viagem mas aquilo ali não valia o esforço. Subimos, descemos… de vez em quando cruzávamos com algum pobre trabalhador i-mun-do, esbaforido como o gorducho e eu mentalizava meu escudo de proteção para não respingar uma gota daquela água fedida na minha roupa  Quando a porta da esperança se materializou na nossa frente só não sai correndo porque um segundo indivíduo veio engrossar o coro do gorducho nos pedindo dinheiro. OK, esperado.  O problema é que eles queriam o equivalente a 20 dólares. Não me aguentei: “20 dólares?!?! Você tá louco?! Isso é muito dinheiro!!”- protestei imediatamente. Obviamente ele argumentou que era pelo “passeio” e pelas fotos que tínhamos tirado.  Por um triz eu não disse que ia deletar as fotos. Rebati dizendo que se havia um preço pre-determinado ele deveria ter nos avisado antes e que eu só podia pagar 2 dólares.  O homem ficou uma fera, hehe. O comparsa chegou a dizer “vocês estão querendo arruma confusão?” Tenso… Insisti com a minha melhor cara de madalena arrependida que 2 dólares era tudo o que eu podia contribuir.  Fechamos por 5.  Minha melhor negociação até aqui ;-P Pegamos a fumaça ninja e tratamos de desaparecer dali.

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Tiago Silva
Tiago Silva
Dezembro 8, 2019 8:10 pm

Deve ter sido uma alternância de experiências muito fortes e significativas!