Acordamos com o galo cantando e decidimos pegar o trem local, que dá uma volta completa na cidade em 3 horas, um programinha off circuit, pra já dar aquele chacoalhão. Pagamos o equivalente a R$ 0,75 pela passagem, sentamos e passamos as primeiras 3 horas do dia ali, só observando o entra e sai dos locais, enquanto circulamos por periferias e áreas rurais. Muitas mulheres entravam com crianças, quase todos os homens usavam longhi (uma espécie de canga que faz as vezes de saia) e a grande maioria estava de chinelo de dedo (um modelito com tiras de veludo, típico daqui). Absolutamente ninguém com ares executivos ou corporativos, mas muitos de celular em punho (apesar de só 1% acessar a internet) e vários de marmita na mão. As mulheres usam uma pasta amarelada nas maçãs do rosto que funciona como filtro solar e muitas pareciam ter ido à feira, carregando sacos gigantescos, maiores do que uma mala grande, com verduras ou legumes. O trem é bem velho e tem algumas inscrições em japonês (ou seria chinês?). Nos
ocorre que pode ser um remanescente do pós guerra. Ele anda o tempo todo de porta aberta e alguns sentam na escada para ver a vista e curtir o ventinho. Uma criança vomita pela porta do trem, enquanto a mãe pressiona as suas costas, acho que para ver se sai mais. Uma mulher tira os chinelos, senta em cima deles no chão, abre seu saco de milho, que deveria ter uns 10 quilos, e adianta o seu trabalho. Ela tira o milho da espiga, limpa os fiapos, corta a pontinha com uma faca e coloca o milho de volta no saco. Super à vontade sentada no chão do trem, joga todos os restos pela porta, sem cerimônia. A fartura de ambulantes passando é páreo duro pras praias do Rio. Vendem amendoim, abacate, milho quentinho (esse acordou mais cedo) e melancia cortadinha na bandeja. Um pai ensina um menino de não mais de 3 anos a se segurar próximo da porta e o apresenta o mundo lá fora. Chega uma mulher com uma bandeja redonda na cabeça cheia de potinhos empilhados e um banquinho de plástico verde pendurado no ombro. Colocou
o banquinho no chão, a bandeja no colo e começou seu ofício ali na nossa frente: noodles, repolho… pata de lagarto, asa de morcego, farinha de cupim, pelo de gambá… ía colocando ingredientes estranhos numa tijela, misturava com a mão e entregava num saquinho plástico (tipo desses que as lojas vendem com peixinhos) com hashi pros clientes que faziam fila. Percebemos que o cardápio era variado pois pra cada um ela lançava mão de uma combinação diferente. Um menino de uns 6 ou 7 anos se segura perto de mim, tão perto que quase senta no meu colo. Seu braço fininho tem diversas bolinhas estranhas na pele. Ele não tem quase nada de cabelo e o olhar é triste, distante. Ele fica ali um bom tempo, enquanto observo sua roupa rasgada, suas mãos e pés imundos e a ausência de um adulto por perto. Meu coração aperta… Mas quando dei por mim ele não estava mais lá. Olhávamos cada uma daquelas pessoas de pele morena e olhos puxados cheios de curiosidade. O que fazem? Como vivem? O que pensam? Percebemos que eles olham pra gente com o mesmo pensamento. Viajar para lugares estranhos é ter contato com gente diferente. É ser provocado a refletir sobre o fato de que os nossos padrões e as nossas verdades não são absolutos e ser desafiado a olhar o mundo com outros olhos. É ver que o mundo é muito mais diverso do que podemos perceber na nossa zona de conforto mas que, por fim, somos todos humanos.