Nem pense em não ver o sol nascer

Tinham nos avisado que o nosso primeiro refúgio não teria chuveiro. O jeito foi aproveitar pra tirar ao menos um pouco da poeira nas pequenas (e lotadas) piscinas de água termal em que paramos no caminho.

La pelas tantas, Quintin, nosso motorista, encostou o carro: “Ahora voy a darles algunas explicaciones acerca destos sitios”. Ele olha pra mim e pergunta: “Hablas español, no?”
Respondo que sim e ele me dá a notícia: “Entonces vas a explicar a ellos” :-S
Explico para as australianas que dão uma gargalhada “You have quite of a task ahead of you!”   
“Ok, isso vai ser um pouco mais cansativo do que pensei, mas vamos que vamos.”

Me esforcei pra não perder nenhum detalhe e ia cortando as explicações do Quintin pra traduzir aos poucos aos demais. De vez em quando pedia pra ele me explicar algum detalhe que eu não conhecia e funcionou! 🙂

No caminho pro nosso refugio vimos coelhos selvagens e até um tatu, de casco redondinho, correndo, todo engraçado. 

Não havia sinal de civilização à volta daquele alojamento e fazia bastante frio. O vento que chegou a nos empurrar algumas vezes durante o dia, uivava lá fora, batendo as janelas, e nos perguntamos se conseguiríamos dormir…

Como já tinham nos prevenido, quartos e banheiros eram compartilhados – esses últimos num esquema vestiário misto.  Mas não havia qualquer vestígio de recepção ou ninguém para nos levar aos nossos aposentos. Apenas um corredor cheio de portas. Vimos que as pessoas já estavam se acomodando e tratamos de sair abrindo portas para jogar nossas coisas em um quarto que ainda estava vazio 😀 “Oba, acho que vamos conseguir um cantinho só pra gente”, eu pensei alto.

Tínhamos levado (e comido) muitos lanchinhos, mas sabe aquela hora em que a fome bate de jeito e você quer comida de verdade? Pois é, aí você dá de cara com um menu de linguiça, tomate, pepino e purê de batata.

”Bom, pelo menos vale pra perder uns quilinhos” :-S  O papo com o pessoal distrai a atenção e ajuda a não pensar na comida e como apenas o suficiente pra acalmar a fome.

Vi que o motorista do outro jipe estava conversando com o grupo dele, e quando terminaram ele passou na nossa mesa dizendo: “Mañana salimos a las 8”
“Pero no vamos a ver el amanecer en el salar?!?!?!”, eu perguntei.
“Bueno, si quieres hay que hablar con ellos”, me desafiou o motorista, apontando para a mesa dos alemães e belgas, enquanto saía andando, querendo botar fim na conversa.  Percebi que ele tinha convencido o grupo a não ver o nascer do sol, provavelmente porque ele não queria acordar cedo.  Mas os jipes viajam juntos e um grupo não poderia, sozinho, decidir pelos demais.

“Eu vou falar com eles”, eu disse pra turma da nossa mesa (e do nosso carro).
“Guys, don’t you wanna see the sunrise at the salar?! It’s a unique experience! And we’re probably not coming back here ever again…”
“It’s just another sunrise. And, besides, we asked the driver and he said it’s not that special”, me responderam os alemães com sua frieza característica, encerrando a conversa. Só fiquei surpresa deles não perceberem que o motorista estava manipulando eles…
“OK”, respondi, sem querer me estressar.  Um dos alemães veio falar comigo que ele gostava da ideia de ver o sol nascer, mas que não tinha conseguido convencer os demais. “Wait. I’m gonna talk to the other car”, eu disse a ele. Afinal, éramos 3 jipes 🙂

Mas nem precisei me esforçar.  Quando perguntei o que preferiam fazer já responderam todos animados: “Yeah, we want to see the sunrise! Must be amazing!!” Ufa…resolvido.
No caminho pro quarto vemos o coitado do Quintin, que já tinha amarrado nossas malas no teto do carro, dirigido aquilo tudo e organizado o nosso almoço, enchendo o pneu do carro “no braço” no frio lá de fora… Dureza… Ele tem menos da metade dos dentes na boca e nos contou que trabalhou nas minas locais quando tinha 12 anos, no fim da década de 70. Me deu um aperto no coração ver aquela cena…

Chegando no quarto, bateram na nossa porta: “Hay un otro grupo llegando y necesitan desocupar la habitación” Desconfiei que isso pudesse acontecer e pulamos pro quarto das australianas, rs. Tomamos nosso banho de gato com lenços umedecidos e nos enfiamos, todos encapotados, debaixo dos 4 cobertores pra tentar dormir.

A primeira acordada na madrugada foi por conta do ronco da Chloe, rs. A segunda foi dor de cabeça por conta da altitude mesmo.  Tomei uma aspirina e sobrevivi _/\_

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