O casal de italianos é uma simpatia. Pena que eu não falo italiano, porque eles falam pouco inglês ou espanhol e eu adoraria conversar mais com eles. Estão na casa dos 70 anos (!!) e fiquei de queixo caído com a disposição deles para uma viagem dura como essa. Um exemplo!
Quando chegamos no nosso hostel, Cesare veio, todo enturmado, nos mostrar nosso quarto… com cama de casal! Um luxo! ;-P
“They gave us this rrroom (pensa no sotaque italiano…), but I told them: no…. leave it to the young ones”, hahaha
Uma figura, Cesare.
“Grazie mille!” – é quase todo o meu repertório.
Não… banheiro é querer demais, né? Mas pelo menos tinha chuveiro!
E uma garrafa de vinho incluída no jantar 😀
Quase não bebemos na viagem porque o álcool agrava os sintomas da altitude. Mas na reta final a gente relaxa.
Giorgia, do alto dos seus 21 anos, revelou estar se sentindo muito chique bebendo vinho tinto, hehe. O detalhe é que o copo era de plástico… Mas foi mais saboreado do que muito vinho caro em taça de cristal. E olha que eu tenho muito apreço pelas minhas!
Mas as australianas seguiram viagem do salar de Uyuni para La Paz, assim como os alemães e eles nos trocaram de carro (e de motorista), nos colocando com… os belgas (do “time” dos alemães, rs) :-S Bom, hora de abstrair e esquecer o tom “simpático” da véspera de Uyuni. Afinal, a história mostrou que a certa era eu 🙂
Saímos batendo papo normalmente, mas uma das meninas (que estava com o namorado na 3a fileira = porta malas) pede pro Pancho (nosso novo motorista) parar porque não consegue colocar o cinto de segurança. Ele pára. Mas não consegue resolver e diz que quando chegarmos no próximo refúgio (dali a 4 horas) vai arrumar. Ela aceita e seguimos.
Papo vai, papo vem, reparei que o parabrisa dianteiro estava rachado e mostrei para a outra menina, que estava sentada do meu lado (best friends, rs).
“O velocímetro também está quebrado”, ela me devolveu. “Oi?!”
Mas Pancho parou o carro de novo. Começou a ligar de desligar o motor e percebemos que o motor tinha dificuldade pra pegar. Ele desceu do carro e abriu o capô.
Nos olhamos num misto de apreensão… e entusiasmo, rs
Um caminhão e 2 jipes passaram por nós, mas ninguém parou.
“Isso não é bom…”
Desci do carro também, porque estava uns 50o lá dentro e sem a brisa que vem da janela ficava impraticável. Não, o ar condicionado não funcionava.
Fui procurar um buchinho pra fazer xixi e minimizar o desconforto. Quando voltei, ele seguia pra lá e pra cá, tentando fazer o carro pegar sem sucesso. Perguntei o que estava acontecendo e ele disse que não sabia porque esse não era o carro dele, me explicando que cada motorista conhece o seu carro… Sugeri que ele tentasse ligar para alguém (não estávamos muito longe da cidade de Uyuni e talvez tivéssemos sinal) e ele concordou em ligar para o seu “patrón”.
Compartilhei meu spray de água termal com a galera pra dar uma refrescada e começamos a debater a construção de um abrigo em tom de brincadeira.
“William has a tent!”, uma das meninas disse.
Voltei para checar Pancho, que tinha acabado de desligar o telefone. “Que pasa?”
“El cable de combustible se ha desconectado, pero el ya me explicó que hacer. Si no funciona, va a enviar otro coche” 😮
Cabo de combustível?!?!
Fiquei ali dando um apoio moral, mas tava é torcendo pra não funcionar e mandarem outro carro… quando o motor pegou.
Entramos todos e continuamos a viagem. Mas tava uma poeirada dentro do carro… Minha “best” me mostrou com uma cara de desconfiada e respondi que era poeira, mostrando segurança. Mas a poeira começou a aumentar… e a parecer fumaça.
“Pancho, creo que es mejor pararmos el coche, hay humo aqui atrás…”
“No… no… es polvo!”, ele respondeu. “Creo que hay un hueco en el piso”
Ooooi?!?! Um buraco no chão do carro?!?!
“Pancho, realmente creo que devemos parar el coche. No hay como continuar por más 1h e media así.”
Ele parou. Mas disse que não dava pra consertar. Levantou o tapete do carro atrás e colou umas fitas adesivas no meio do nada (sim, essas de caixa de mudança), como uma mãe que coloca bandaids de bichinho no filho só pra ele parar de reclamar. Comecei a ficar meio brava…
Mas entramos no carro novamente e seguimos viagem, até o nosso refúgio. Passei o resto daquela viagem elaborando minha argumentação para ter uma conversa séria com Pancho e sondei se os demais concordavam comigo.
Estávamos exaustos e fazia bastante frio quando chegamos. Fomos direto levar nossas coisas pro quarto, mas quando vi que Pancho estava sozinho lá fora saí para falar com ele.
Expliquei que a falta de conforto era ruim, mas que podíamos viver sem ar condicionado, com a porta ou janela que não funcionam. Reforcei que o problema não era conforto, mas sim segurança e que esse é um assunto muito sério. Afirmei que um carro que tem o parabrisa dianteiro rachado, que o velocímetro não funciona, um dos cintos de segurança não funciona, e cujo cabo de combustível esta solto, além de ter um (suposto) buraco no chão não tem condições de viajar. Lembrei-o que ele era responsável pela vida de 6 pessoas e que ele deveria ligar para o seu “patrón” e pedir que enviasse outro carro imediatamente.
Não sei como as coisas funcionam na Bolivia, então não sabia exatamente como ele ia reagir à minha abordagem, mas assumi o posto de autoridade naquela conversa e fui bastante dura com ele.
Funcionou. Na hora do jantar, ele passou na nossa mesa, com um sorriso meio amarelo, para dizer que outro carro estava a caminho para seguir viagem com a gente e que deveríamos estar prontos às 4 da manhã. Ufa!! 🙂
Os belgas pareceram felizes. Mas pergunta se me agradeceram…