Paramos na recepção depois do café pra ver quais eram as recomendações do Marcelo, o gerente da pousada, dado que encontramos pouca informação na internet. Fui perguntando mais e mais sobre os passeios pra Anavilhanas, Jaú, Airão, focagem noturna de jacarés… até ele abrir que o Ceará é o melhor e mais experiente guia da região. “Podemos ligar pra ele, então?” 😀
Em 15 minutos o senhorzinho simpático, na casa de uns 70 e poucos, de camisa social, chapéu e cabelo branco chegou.
Eu tava interessada, entre outras coisas, no parque nacional do Jaú e ele me explicou que melhor do que 2 dias, seria ficar 3 dias lá. “Pra você poder ir relaxada, sabe?”
Ele tirou minhas dúvidas sobre o pernoite, a comida, sobre a chuva e as onças. “Eu faço passeio a mais de 30 anos e só vi uma vez. Mas eram duas. O caboclo que tava comigo se assustou, pegou a espingarda e atirou numa delas. A outra saiu correndo rapidinho.” Ele explicou que chegando lá dormiríamos em rede no quintal de uma casa ribeirinha e que um dos caboclos acompanharia a gente na floresta.
“No jantar pode ser um Tambaqui na lenha?”
Fechado.
Precisávamos só comprar uns lanchinhos de reforço.
Dona Glorinha, a dona da pousada que mais parece uma monja budista, disse que nos daria uma carona porque precisava comprar peixe. Com a fala mansa de quem não tem a menor pressa, perguntou que horas queríamos sair. Com seu 1,4m de altura, aproximadamente, entrou na Hilux e nos levou, com toda a tranquilidade, até o flutuante dos botos pra termos um gostinho de Amazônia. Eles realmente têm carinhas diferentes e em alguns minutos já dava pra distinguir o Jessé, mais velho, maior e mais rosa, do Moacir, mais novo e mais cinza, da Priscilla, que tinha carinha de menina mesmo, rs.
Saindo de lá, fomos comprar lanchinhos e tentar sacar algum dinheiro já que e tínhamos que pagar o Ceará em cash e isso ia praticamente zerar o nosso caixa. Eu sabia que não tinha Itaú na cidade, mas tava certa de que íamos dar um jeito. Fomos parando de mercado em mercado perguntando se podíamos passar um pouco mais no cartão para nos devolverem dinheiro, mas levamos um “não” atrás do outro… Até que o Victor, um menino com uma cara boa, que eu achei que fosse funcionário do último mercado em que paramos nos deu a sugestão “se você quiser transferir pra minha conta eu posso sacar pra você no Bradesco”.
Incrível como tem pessoas boas no mundo. Fomos no carro dele até o banco, algumas quadras dali, enquanto eu agilizava a transferência pelo celular.
“O dinheiro ainda não entrou não” disse ele, olhando no monitor do caixa eletrônico.
“Ué, mas eu acabei de confirmar a transferência!”, mostrei pra ele o comprovante. Mas aí caiu a ficha:
“Putz, hoje é sábado!”
O menino não tinha saldo em conta pra sacar e ficamos uns minutos ali nos olhando com cara de ué, até ele vir com a ideia: “vamos na casa da minha tia, ela gosta de mim”.
Entramos no carro dele de novo e andamos mais umas quadras até chegarmos a uma casa daquelas bem convidativas, toda em madeira natural. Tinha uma varanda com uma mesona gostosa, muitas plantas, enfeites e um cachorro.
“Péra aí”, disse ele, quando entramos na varanda.
Achei que fosse voltar com o dinheiro. Mas voltou com os tios.
“Oi, tudo bem? Fiquem à vontade!” Nos cumprimentaram como se fossemos amigos e nos convidaram pra sentar. Victor tava meio sem graça e percebi que ele não tinha contado o nosso causo pros tios ainda e me veio aquele sentimento de ter que contar pros pais que você aprontou uma, rs.
Começamos a jogar conversa fora com Carlão e Dona Mercedes. Ele é bioquímico, do interior de SP, e veio pra Amazonia uns 10 anos atrás pra trabalhar em São Gabriel da Cachoeira. Contei que íamos pro parque nacional do Jaú com Seu Ceará e eles confirmaram que ele é ótimo e conhece tudo.
Até que Victor tomou coragem e explicou nosso enrosco. Carlão prontamente pegou os R$400 e fomos tratando de encerrar a prosa para cuidar da vida.
Mas Victor fez questão de nos levar à nossa pousada. Tudo sem ganhar nenhum centavo. E meu sexto sentido disse que também não era o caso de oferecer. Paguei em sugestões de como ele poderia continuar com a fazenda de peixes dele, oferecendo turismo sustentável ao mesmo tempo.
Provamos o Pirarucu grelhado da D. Glorinha e reorganizamos nossas mochilas, colocando tudo o que precisávamos levar numa só. Marcelo disse que não cobraria as diárias em que ficaríamos fora. E que não nos preocupássemos em tirar as coisas do quarto.
O povo daqui é realmente inacreditável.