O Jan decidiu levantar pra fazer xixi no meio da noite (e da chuva), sem lanterna. Pra que, né? Qualquer moitinha tá valendo e ninguém vai te ver mesmo. O problema é achar a rede na volta… Ele até chegou perto mas… cataploft! Foi direto pro chão quando tentou acertá-la. Acordei naquele susto: “tá tudo bem?”
“Tudo bem, tudo bem, eu só caí da rede…”
Ô dó…
Mas foi só um susto. O problema mesmo foi conseguir dormir depois… A noite na floresta é uma sinfonia de fazer inveja a Beethoven. São barulhos dos mais diversos e altos mesmo. Nem me arrisco e tentar identificar qual é de que bicho. Agora, quando se soma o barulho da chuva a essa orquestra, fica um pouco mais tenso… Sei lá se é fruta caindo (o que acontece o tempo todo), galho, folha ou o que, mas tive certeza de que a onça tava ali do lado diversas vezes.
“Esse cachorro de araque não vai latir não?”, martelava na minha cabeça.
Fiquei num dilema entre pegar a lanterna (que deixei pendurada na rede junto com a água e minhas botas) e averiguar (dali da rede, claro) ou ficar imóvel na minha conchinha, me fazendo de morta. Escolhi a segunda opção.
“Talvez a onça não saiba que tem gente dentro da rede…”, especulei.
Pois é, fiquei ali naquela batalha e quando dei por mim já tava amanhecendo. Fomos tomar café da manhã com a geógrafa capixaba e a bióloga mineira que dormiram na floresta também.
Abril é época de cheia e a floresta fica toda alagada. Perdemos as praias, que desaparecem completamente, mas ganhamos um cenário único navegando pelos igarapés e igapós. E esse foi o principal motivo que me fez escolher vir na época da cheia. Tinhamos combinado com Nazaré de remar pelos igapós (sem barulho de motor é bem mais legal) e o Jan foi tirar a água da canoa com um pote de margarina (tinha chovido, né?). Mas foi o tempo do Nazaré aparecer que… tinha água na canoa de novo. Não tanta, mas tinha. :-S
“Ceará, a gente sabe nadar, mas vou levar uns salva-vidas do barco, tá? Essa canoa não tá me inspirando muita confiança…”
Mas fomos, deslisando pelas águas do rio só com o canto dos pássaros e o tamborilar, de levinho, da água no fundo do barco, num clima quase meditativo. O que eu não sabia era que as águas do rio às vezes ficam tão, tão calmas, que viram um espelho per-fei-to da vegetação. Quem diria que eu veria esse efeito pela segunda vez no ano (em janeiro fomos pro salar de Uyuni)! É hipnotizante de tão lindo! E quando a gente entra nos igapós, afastando os galhos das árvores com as mãos mesmo (e muito cuidado por conta de espinhos, formigas, cobras e afins), é como se chegássemos a uma espécie de lago. Mas um lago sem margens definidas e com um mafuá de árvores, troncos e galhos no meio. Às vezes você acha que acaba ali e, quando vai ver, é só um trecho mais fechado da mata que precisa abrir pra continuar. E a gente vai remando… As águas são totalmente paradas e em alguns trechos com uma película leitosa, às vezes furta cor, em cima, formando um cenário muito especial, com um quê de mistério… meio Brumas de Avalon, meio Senhor dos Anéis… Muito, muito lindo!
Tem trechos que se parecem mais com trilhas, só que aquáticas. Passamos por uma pequena queda d’água… e Nazaré nos conta que quer limpar a área e fazer um deck pros seus clientes poderem tomar banho lá. Poderia ficar ali meditando por horas, se não fossem os mosquitos…
“Ok, vamos voltar”.
Nazaré nos pediu carona pra Novo Airão, porque precisava comprar uma peça pro motor do barco dele que quebrou. É o único meio de transporte e de comunicação deles com o mundo. Não há energia elétrica, água encanada ou esgoto, não há banheiro, porta ou janela. As diversas árvores frutíferas, peixes, o canto dos pássaros e o visual fazem um contraponto legal, mas a vida dos caras na floresta é dura…
Já no caminho de volta, demos uma parada pra ver a Samaúma, maior árvore da Amazônia que, gigantesca, e pra lá de imponente, chega a 60 metros de altura e 3 metros de tronco quando adulta. :-O Na trilha de volta pro barco, aproveitamos que o Ceará não tava por perto e demos uma gorjeta mais gordinha pro Nazaré em forma de agradecimento e ajuda de custo pro barco. O Ceará deu a entender que parte do que pagamos pelo passeio iria pra eles mas, a tomar pela dinâmica da relação deles, me pareceu que seria menos do que o justo, do meu ponto de vista.
Mas a uns 20 km de Novo Airão o céu desabou. Daquele jeito que você não enxerga um palmo na frente do nariz. Ceará chegou a pensar em se enfiar na floresta pra esperar passar… até tentou, mas acabou optando por fechar o barco todo e seguir em frente bem devagarzinho. Meu medo era batermos em outro barco, ou mesmo numa árvore da margem. Não que tivesse movimento, mas realmente não se via nadinha. Segui levantando a cada 5 minutos pra checar a visibilidade, como se fosse dar tempo de gritar “cuidado com a canoa!”
É claro que entrou água no barco. E é claro que a bomba que puxa a água pra devolver pro rio não funcionou. Ceará ficou de baldinho na mão tirando água “no braço”. Eu já estava com os salva vidas mapeados e com meu plano traçado: pegar a câmera “grande”, o ipad e os documentos, colocar no saco estanque e pular pela direita, rs. De repente a visibilidade melhorou um tiquinho e pau na máquina! Nazaré acelerou com tudo (foi ele que pilotou na volta, acho que como forma de pagar a carona ao Ceará).
Já de volta a Novo Airão, fizemos um passeio pelo arquipélago de Anavilhanas, propriamente dito. Pra nossa surpresa, ao pararmos numa das bases flutuantes de controle e pesquisa, em que, vez por outra, temos que bater continência, demos de cara com um jacaré gi-gan-te! Tipo de uns 3 metros! Ainda bem que essa dose de realidade foi só no fim da viagem…
No dia seguinte fomos visitar a comunidade de Santo Antônio, onde moram 42 pessoas de 12 famílias. Dona Rose nos recebeu com o maior carinho pra mostrar o trabalho lindo que fazem por lá. Tem uma escola super organizadinha, até com energia solar, centro comunitário, horta medicinal, lojinha… Tudo montado e cuidado pela comunidade, com a ajuda de doações. Muito bonito de se ver!
Tem várias formas de se visitar a floresta… Passamos pelo barco dos 2 casais de turista que encontramos em (velho) Airão. Eles trouxeram os filhos pra selva (4 crianças na casa dos 5 a 7 anos), mas estão dormindo num barco desses de madeira grandões, típicos da região, que tem mais infraestrutura pra acomodar os pequenos.