E era proibido entrar com celular, câmera, bolsa, qualquer coisa. Tudo ficou trancado num locker e só levamos a chavinha. Cada um de nós deveria se apresentar ao garçom, apertar sua mão e dizer o nome. Ele era cego e esse era o protocolo.
Nosso anfitrião cego pediu que fizéssemos uma fila indiana, colocando as mãos nos ombros do amigo da frente. Passamos por uma porta preta que levava a uma escada preta, protegida por paredes pretas dos dois lados, e começamos a subir.
Era um misto de euforia de criança com frio na barriga. A medida em que subíamos a luz ia ficando escassa, até chegarmos ao breu total no alto da escada (menor ideia de como fazem isso). Senti que passamos por uma cortina que eu definiria como preta mas, na verdade, tudo a minha volta parecia preto. Nem uma luzinha sequer. Os olhos seguiam totalmente arregalados e os sinais de alerta todos ligados. Mas, mesmo minutos depois, não se podia ver nem vultos ou sombras.
E quando você chega num lugar desconhecido em que não consegue enxergar absolutamente nada você instintivamente pára. Mas nosso garçom-anfitrião já tinha memorizado nossos nomes e me pegou pela mão. “Paola, essa é sua cadeira” disse, me conduzindo uns passos à frente e colocando minha mão no encosto. Era aveludado. Fui tateando a cadeira e percebi que estava mais para uma poltroninha. Sentei. Ele nos explicou que nossos pratos sempre viriam com 4 bowls e que deveríamos começar a comer pelo mais perto da gente (“às 6 horas”) seguindo no sentido horário. Nosso menu degustação era composto por 4 entradas, 4 pratos principais e 4 sobremesas, todos surpresa!
As vozes do meu namorado e da minha amiga estavam ali mas, mesmo assim, a primeira providencia foi localizá-los. Tateei para encontrar suas mãos e ficamos tentando entender o formato e disposição da mesa em que estávamos. Incrível como a imaginação fica fértil no escuro! Tive certeza de que a mesa era triangular e depois de que era uma meia lua, até me conformar de que era retangular mesmo. A gente perde a noção de espaço no escuro e tudo parece ser possível.
Nosso anfitrião nos pediu que localizássemos nossos garfos, colheres e guardanapos à direita e nossos copos de água à esquerda e trouxe nossas primeiras taxas de vinho, também surpresas. Não sabíamos se era branco ou tinto, o que foi rapidamente descoberto, claro. O engraçado é que, quando você não enxerga absolutamente nada o nariz passa a ser uma parada obrigatória antes da boca. Quando ele trouxe nossas entradas, identifiquei o bowl por onde tinha que começar e peguei o garfo… Não tinha a menor ideia do que estava prestes a colocar na boca (não sabia nem se usava garfo ou colher). Dá um misto de apreensão e curiosidade… além de um medinho da comida cair no colo, rsrs. E é aí que nossos instintos assumem o comando… E você troca o garfo pela colher, hehe. Aproximei o bowl da boca como fazem muitas culturas asiáticas e… cheirei a comida. Era inevitável, gente! Nosso paladar e nosso cérebro simplesmente pre-ci-sam ser preparados para encarar o que vem pela frente. Meu nariz me anunciou que era salada verde, ok essa foi fácil! E estratégico porque uma vez que você constata que a comida é ma-ra-vi-lho-sa, você relaxa e vai com tudo nas exóticas combinações que seguem: quente, cremoso, frio, gelatinoso, crocante, ácido, consistente, doce, explosão na boca, caldinho… Tinha de tu-do e cada colherada era um deleite. Obviamente, a diversão era tentar adivinhar os ingredientes. E vamos combinar que, em Cingapura as possibilidades são um tanto diferentes das nossas usuais. Lá pelas tantas o garçom nos ofereceu uma garrafa d’água. Mas disse que deveríamos nos servir. Foi aí que me dei conta de que já tinha esquecido do escuro e jogado a toalha, deixando as minhas pálpebras relaxadas, semi-fechadas. Peguei a garrafa, confiante, coloquei a pontinha do meu dedo um pouco pra dentro da borda do copo e mandei ver. Direitinho. Nem molhei o dedo. Pelo barulho da água no copo da pra saber exatamente o momento de parar 🙂
A charada do cardápio só foi solucionada na saída, já na recepção iluminada. Lá eles mostraram fotos e explicaram que comemos fois gras, creme de amendoim, vieira, purês, bacalhau, cordeiro, croutons, sorvete de morrito com blueberry, tortinha de chocolate com gengibre e granola e várias outras maravilhas elaboradas com primor… mas não pudemos fotografar nem anotar porque o cardápio é o mesmo ao longo do mês e eles não queriam que déssemos spoiler. Ups…
Que maravilhoso jantar!
Em seu texto minucioso quase consigo sentir o “cheiro”.
Essa é a ideia! 🙂
Sensacional! Viveria esta experiência mas, certamente, com mais receio q vc Paola! 🤗
Vale muito a pena! E tem em outras cidades na Europa e EUA. Não sei se são todos iguais mas vale pesquisar quando for praquelas bandas!
Que delicia! Steve disse que tem um desse em Malaga mas ele não encarou não – extremely expensive!
Sei que tem alguns espalhados pelo mundo. So não sei se são do mesmo grupo, ou seja, se a experiencia eh a mesma em todos os lugares. Esse que eu fui valeu demais, tanto pela comida quanto pela experiencia. Mas eh uma vez na vida, porque eh caríssimo mesmo!