Atacama offroad

Eles tinham aberto as comportas dos canais de irrigação de manhã e os campos de girassóis estavam alagados – é assim que se rega as plantas por aqui. O pão estava fresquinho e crocante e nossa vizinha coreana se mostrou uma ótima cia – veio se apresentar à gente, toda conversadeira, porque identificou que falávamos português. Afinal, do alto dos seus 6 anos de idade, ela já fala 3 línguas e está aprendendo a 4a 😮

Saímos de bússola em punho, com água extra, comida extra e casaco extra, caso algo desse errado e precisássemos passar a noite no deserto, hehe. 

Nosso destino era o salar de tara, para testar nossos limites na altitude e nossas habilidades off road 🙂

Mas se tem um lugar em que a jornada vale tanto quanto o destino, esse lugar é o Atacama. 127 km passam desapercebidos em meio a lagoas, flamingos, vulcões e llamas. A palheta de cores é um espetáculo à parte. 

Que maestria! Tons de cinza se misturam aos marrons que viram rosa, que viram mostarda, que viram verde… Tem vida no deserto! Muita vida.

Avistamos os moais, índios de pedra ou monges e suas catedrais, que são vizinhos de um salar lindo, meio sal, meio lago, com uma vegetação rasteira de um verde amarelado. Segundo o mapa era o salar de talar.

“Em 500 metros vire à esquerda”, disse nosso navegador. E não é que além de traçar rotas offline o Maps.me também traça rotas off road? Não tinha qualquer vestígio de estrada à esquerda. Apenas marcas de pneu num descampado gigante de pedrinhas. Os tais rípios a que fui apresentada enquanto planejava a viagem. “Muito prazer.” Esquerda volver!

Não tinha guarita, vigia ou qualquer estrutura, apenas uma plaquinha sinalizando: Reserva Nacional los Flamencos. As monumentais esculturas espalhadas por aquele descampado gigante são, praticamente, um museu ao ar livre. Me dou conta de como, muitas vezes, damos mais valor à arte feita pelo homem do que a que a natureza nos presenteia…

Tinham só duas caminhonetes por ali, uma num extremo e outra no outro. Não cansamos de explorar os ângulos mais variados dessas obras de arte, mas ainda tínhamos um salar pela frente, ou o que nos permitissem ver porque já tinham nos avisado que não era mais permitido entrar por questões ambientais.

O mapa mostrava seu desenho do outro lado das montanhas à nossa esquerda e tinha visto que uma das caminhonetes tinha ido naquela direção. Bora lá!

Mas a área era enorme e as possibilidades de se cruzar aquelas montanhas eram infinitas (tínhamos saído da estrada, lembra?). Não dava pra saber exatamente por onde ir… Até o Maps.me ficou meio tonto e começou a recalcular a rota diversas vezes, apontando “caminhos” diferentes a cada nova tentativa. Decidimos que seguiríamos os rastros de pneu mais fortes, mas quando demos meia volta para analisar… o mais forte era o nosso próprio… :-S Bom… escolhemos uma direção e seguimos com o carro derrapando ora pra direita, ora pra esquerda. 

Investigando o terreno para ver se dava pra subir

Sim, porque as danadas das pedrinhas derrapam que é uma beleza. Mas não tinha absolutamente onde bater. Nos aproximamos da subida e o terreno sob as pedrinhas começou a ficar mais arenoso. Paramos o carro, engatamos o 4×4 e aceleramos. Começou um sobe e desce de um tobogã, de forma que não dava pra ver muitos metros à frente, e chegamos a uma área com arbustos, pedras maiores e alguns buracos. O salar continuava à nossa direita e as esculturas de pedra à esquerda. Sabíamos a direção em que estava a estrada de onde viemos, mas há algum tempo já não podíamos mais vê-la. Descemos do carro, caminhamos para analisar o terreno e começaram a cair alguns pingos d’água. “Era só o que faltava…” 

Mas não passou de poucos pingos e entendemos que dava pra seguir. Continuamos a subir pelo nosso caminho imaginário, acelerando pra não atolar. De repente o sobe e desce ficou mais intenso… “cuidado com a pedra!” E apareceu outra grande, e outra, e um buracão. 

Sim, todos bem. Não, não batemos. Mas paramos e saímos do carro de novo. Caminhamos à nossa volta para uma nova análise das condições e subimos um pouco mais a pé. Mas dessa vez não dava… a subida continuaria muito dura e corríamos o risco de atolar, ficar presos em cima de uma pedra ou num buraco e ainda não conseguir manobrar por conta do relevo pra lá de acidentado. Foi então que enumerei minha primeira resolução de ano novo: fazer um curso de direção off road, hehe.

Lembrei dos livros sobre expedições ao Everest e da importância de se saber quando desistir e voltar.

Todo esse tempo não vimos mais do que as duas caminhonetes que estavam lá quando chegamos. Não havia nenhum sinal de presença humana.

Mas voltar pelo mesmo caminho também não nos parecia uma boa ideia… E deeeesce do carro de novo pra caminhar em direção ao salar e ver se o que nos parecia lama à sua volta estava em condições pra passarmos. E estava! 

Ufa… bem seca e dura _/\_ Fomos de encontro às vicuñas e às águas esverdeadas, margeando o salar, já em direção à estrada que nos levaria de volta. Sabíamos que ela estava lá.

Piedras Rojas
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